Vamos voltar ao ano de 1997. O Protocolo de Quioto acabara de ser assinado no intuito de estabelecer metas regulamentadoras aos países signatários, a fim de reduzir as emissões dos principais gases causadores do efeito estufa (GEE): dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hexafluoreto de enxofre (SF6), hidrofluorcarbonos (HFCs) e perfluorcarbonos (PFCs).
Após infrutíferas tentativas de assinaturas e anos decorridos, o tratado somente entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, contando com participação de 173 países que foram divididos em 2 grupos: “Anexo I” (países desenvolvidos que possuem metas de redução de GEE) e “Não-Anexo I” (países em desenvolvimento sem metas de redução de GEE, incluindo o Brasil).
Os Estados Unidos, que são um dos maiores emissores dos GEE do mundo, no governo de George W. Bush, negaram-se a ratificar o Protocolo de Quioto, com a desculpa de que se fossem cumprir tais metas iriam colapsar sua economia, o que gerou protestos mundo afora.
Os países signatários que fazem parte do Anexo I, responsáveis por grande parte da poluição do mundo, deveriam reduzir suas emissões durante o período de 2008 a 2012 em 5,2% em relação aos níveis de 1990. A meta felizmente foi ultrapassada e conseguiram reduzir 20% dos GEE, por outro lado, as emissões globais aumentaram 38%.
Nesse tratado internacional, abordaram especialmente a preocupação com o controle da emissão do dióxido de carbono, a qual desencadeou a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é uma espécie de flexibilização certificada que prevê o procedimento de outorga e aprovação de projetos ambientais para combater as taxas de emissões, resumidamente. Segundo o Banco Mundial, cerca de 10 bilhões de dólares foram investidos em projetos por meio do fundo e do comércio de emissões.
Com isso, indústrias passaram a negociar suas “não emissões” de gases com os países emissores, como se fosse de fato um comércio, no intuito de atingir suas metas estabelecidas. Assim, se uma empresa não consegue reduzir suas emissões de CO2, ela compra esse crédito de um terceiro que possa, podendo este estar em qualquer lugar do mundo, afinal, a atmosfera é a mesma para todos os países. Isso ficou conhecido como “mercado de carbono”.
O investimento das partes comprometidas com a redução dos gases, em projetos MDL desenvolvidos pelos países do Não-Anexo 1, depende de uma avaliação de órgãos internacionais e posteriormente de sua respectiva aprovação, e quando isso ocorre, nascem as chamadas RCEs (Reduções Certificadas de Emissão), que torna elegível o direito de gerar créditos de carbono, que podem ser negociados no mercado internacional, incluindo na bolsa de valores, entre empresas e até mesmo pessoas.
O Brasil é o terceiro país que mais desenvolve projetos de MDL, sendo alguns deles o reflorestamento; a substituição de óleo diesel ou carvão mineral por gás natural; a captação de gás metano de aterros gerando biogás e a produção de energia eólica e solar. Líderes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) estimam que os créditos de carbono oriundos da preservação da Amazônia poderiam render US$ 10 bilhões ao ano para o Brasil.
Todas essas atividades são geradoras do famoso crédito de carbono. Mas afinal, o que é isso? De forma didática e resumida, crédito é basicamente aquilo que você deixa de gastar, e crédito de carbono é exatamente a (i) não emissão desse gás na atmosfera ou (ii) sua absorção (por meio do reflorestamento, por exemplo). Logo, a quantidade de CO2 que uma empresa absorve ou deixa de despejar na atmosfera é o que pode ser convertido nesse crédito, que é uma certificação digital emitida por indústrias ou projetos MDL passível de ser comercializada internacionalmente. De forma simples, negativos anulam positivos. Uma mera compensação de gases estufas. Fácil como matemática iniciante.
Os países que mais compram créditos de carbono são o Japão, a Holanda e o Reino Unido, e os que mais vendem são o Brasil e a Índia. Cada tonelada de CO2 equivale a 1 crédito, e o valor de cada um oscila como se fosse uma moeda, assim como é o dólar ou até mesmo o bitcoin. Para Flávio Gazani, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Carbono (Abemc), o preço do carbono está vinculado ao preço do petróleo no mercado externo.
Diante dessa volatilidade, a startup MOSS criou o ativo de carbono, o token MCO2, que é direcionado para esses projetos de preservação ambiental. O ativo movimentou R$ 70 milhões no último ano. Um token MCO2 equivale a um crédito de carbono, ou seja, uma tonelada de gás carbônico que deixa de ser emitida na atmosfera. Atualmente a corretora brasileira, Mercado Bitcoin, comercializa o ativo no valor de aproximadamente R$ 62,00 e qualquer pessoa física pode ter acesso.
Logicamente, todas as transações são registradas em blockchain (incorruptível e inviolável), para a maior segurança dos investidores, que já são 85% pessoas físicas. Pra dar uma dimensão de como é acessado, no ano passado, de acordo com o Banco Mundial, a precificação de carbono gerou US$ 53 bilhões. O ativo superou todas as expectativas de maio de 2018 a setembro de 2021, valorizando quase 300%.
Nesse sentido, vamos supor que a Marca Ambiental e a Liberum Energia, com seu sistema de produção de energia elétrica renovável através do biogás do aterro, deixa de emitir na atmosfera 30 toneladas de CO2 por dia. Agora, vamos supor que a empresa XYZ, do Reino Unido, libera na atmosfera 30 toneladas por dia, sem ter disponibilidade de deixar de emitir esses gases, a solução pode ser comprar os nossos créditos de carbono, realizando a tão citada compensação.
Vale deixar claro que para formalizar essa comercialização é necessário que a empresa vendedora de créditos comprove aos órgãos certificadores que contribui para o desenvolvimento sustentável e que oferece vantagens ao meio ambiente. E isso nós fazemos, há anos.
Concluindo, o protocolo de Quioto concedeu aos países emitentes de GEE 2 opções: (i) adotar medidas ambientais eficientes para atingir suas metas fixadas ou então (ii) ir ao mercado internacional e comprar créditos de carbono.
Mas será que essa compensação resolve o problema principal abordado no ano de 1997 em Quioto e que preocupa diariamente a população mundial? Na minha opinião, é uma mera ilusão matemática a qual se resume a países poluentes comprando o direito de continuar poluindo. Afinal, a atmosfera é a mesma para todos.